O NEV (Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo) divulgou nesta quarta-feira uma relatório sobre a
situação dos direitos humanos no Brasil na década de 2001-2010. O documento
abrange principalmente abusos contra a vida e a integridade física dos
cidadãos.
Algumas das constatações do relatório são que
as penitenciárias continuam superlotadas - a população carcerária brasileira
cresceu 112% em uma década -, as taxas de mortalidade por homicídios se
elevaram mais nas regiões norte e nordeste, os homicídios contra negros e
pardos aumentaram 25% e a maioria dos crimes contra a liberdade de imprensa
(72%) são praticados por agentes do Estado.
O 5º Relatório Nacional Sobre os Direitos
Humanos no Brasil também faz uma análise sobre casos de abusos cometidos no
país e levados ao conhecimento da OEA (Organização dos Estados Americanos). Ele
revela que apenas 5% desses caos acabaram em solução amistosa.
A socióloga Mariana Possas, coordenadora do
relatório, afirmou à BBC Brasil que uma das maiores dificuldades enfrentadas
pelos pesquisadores foram a inexistência ou não divulgação de dados e
informações oficiais sobre temas relacionados a abusos de direitos humanos.
Segundo ela, esse problema não é causado
apenas por falta de ação dos governos, mas por uma cultura nacional que não
priorizaria a obtenção e armazenamento de informações sobre o setor.
Leia abaixo alguns dos principais pontos
levantados pelo relatório.
Superlotação carcerária
De acordo com o relatório, 'o sistema
prisional brasileiro continuou a ser, na década de 2000, um setor público
dramaticamente atravessado por severas violações de direitos humanos'. Uma das
principais delas seria o deficit de vagas no sistema prisional.
Atualmente, o Brasil é o quarto país com o
maior número de presos do mundo, atrás de Estados Unidos, China e Rússia.
Segundo o documento, embora o crescimento da
população carcerária tenha sido uma tendência mundial nas últimas décadas, o
ritmo apresentado pelo Brasil foi 'frenético e assustador'. O país registrou um
aumento de 112% no número de detentos, de 233 mil no ano de 2001 para 496 mil
em 2010.
Essa elevação colocou o Brasil no primeiro
lugar de um ranking que leva em conta 15 países. Logo abaixo ficaram a França,
com 43% de aumento e a Itália, com 23%. Os Estados Unidos ficaram em 11º lugar,
com 15% de aumento na década.
Porém, o ranking de países não levou em conta
a China e a Rússia.
O crescimento acelerado da população carcerária,
segundo o relatório, teria tido efeitos negativos na 'garantia de condições
básicas de detenção e de respeito aos direitos das pessoas presas'.
O deficit de vagas no sistema em 2000, segundo
os pesquisadores, era de quase 70 mil. Em 2010, ele subiu para quase 198 mil
vagas.
Homicídios
Analisando dados do Ministério da Saúde, os
pesquisadores da USP constataram que a taxa geral de homicídios por 100 mil
habitantes no país aumentou 1,6% entre os 2000 e 2009. Contudo, a distribuição
desses crimes pelos Estados é desigual.
A maior variação ocorreu nas regiões Norte e
Nordeste, que registraram elevações de 82% e 72% respectivamente. No norte, a
taxa passou de 18,5 casos por 100 mil habitantes em 2000 para 33,8 em 2009. No
nordeste, a variação foi de 19,4 para 33,5.
Na região Sul, a elevação da taxa foi de 57% e
no Centro-Oeste 10%.
De todas as regiões do Brasil, a única que
registrou queda no período foi a sudeste (-40%). O número de casos por 100 mil
habitantes caiu de 36,6 para 21,8.
Em 2000, os Estados com as maiores taxas de
homicídios eram Pernambuco, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Nove anos depois,
as três primeiras posições do ranking eram de Alagoas, Espírito Santo e
Pernambuco.
Discriminação racial
O estudo analisou os casos de pessoas mortas
em homicídios registrados pelo Ministério da Saúde segundo a classificação
racial das vítimas. Ele constatou que negros e pardos não só são as maiores
vítimas dos crimes como o número de assassinatos praticados contra eles
registrou tendência de alta durante toda a década.
No ano 2000, os pardos e negros representavam
52% do total de vítimas de homicídio no país - cerca de 23,5 mil casos. Essa
porcentagem foi subindo gradualmente ao longo da década até chegar a 65% em
2009, quando quase 34 mil casos foram registrados.
Já os assassinatos praticados contra brancos
somavam 39% das ocorrências no ano 2000 (17,8 mil). Eles começaram a cair em
2003 (37%) e chegaram a 29% em 2009 (15 mil).
Embora quase irrelevante percentualmente, o
número nominal de assassinatos praticados contra indígenas também se elevou.
Foram 102 mortes no ano 2000 contra 136 em 2009.
Liberdade de imprensa
O relatório da USP identificou três principais
fontes de ameaças e agressões contra jornalistas nas anos 2000: policiais,
políticos detentores de cargos eletivos e o crime organizado.
Foram identificados na década 219 casos de
abusos, que incluem agressão, ameaça e intimidação, homicídio, impedimento da
atividade jornalística, lesão corporal em cobertura de risco, lesão corporal
grave, sequestro e tortura.
A maioria dos autores dos abusos foram
políticos eleitos e funcionários públicos dos três poderes (37% dos casos) e
policiais (35%). As ocorrências mais comuns foram o impedimento da atividade
jornalistica (37%), ameaças e intimidações (21%) e agressões (17%).
Os homicídios - 15 ao total - representam
quase 7% dos casos.
Geograficamente, a maior parte dos abusos se
concentrou na região Sudeste (34% dos casos), seguida pelo Nordeste do país
(22%).
'Ainda temos um longo caminho a percorrer em
termos de respeito por parte dos agentes do Estado brasileiro à liberdade de
imprensa', diz o relatório.
Cooperação internacional
Apenas 5% dos casos de abusos de direitos
humanos ocorridos no Brasil e levados à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos foram solucionados de forma amistosa, segundo o relatório.
O órgão pertence a OEA e tem a função de
investigar e emitir pareceres sobre casos específicos de abusos de direitos
humanos ocorridos em seus países-membros.
Os pesquisadores da USP analisaram 66 casos de
supostos abusos de direitos humanos cometidos no Brasil e levados à Comissão
entre os anos de 1999 e 2009. Em 20 deles (30%) o Brasil foi formalmente
responsabilizado por abusos e em três houve um acordo amistoso para resolver a
situação.
Segundo o relatório, a maioria dos casos
levados ao órgão no período (34) ainda estão pendentes de decisão e nove não
foram admitidos.
O estudo apontou que a maioria das denúncias
levadas à Comissão se referem a abusos de violência cometidos por policiais
(15), à questão agrária (13) e a violações dos direitos das crianças e dos
adolescentes (10).
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